11 de junho de 2013

É menino ou menina?


O quão angustiante pode ser, na nossa sociedade, esta indefinição de gênero, este não saber se é menino ou menina. Ora, se há um tempo que o gênero é neutro – não o sexo, que este é fixo – é no recém-nascido. Por que nos incomodamos em não saber se estamos diante de uma menina ou de um menino? Tanto os pais se chateiam se o curioso, ao elogiar o bebê, erra o sexo da criança, quanto o elogiador também se incomoda em errar e, claro, culpa os pais por não haverem fornecido evidências suficientes na vestimenta do neném. Daí a urgência dos brincos.
Há um ano atrás o casal inglês que criou seu filho por 5 anos sem revelar o sexo do bebê, resolveu contar que eles tinham um menino em casa. Segundo a mãe, a intenção era que a criança pudesse se expressar e fazer escolhas de acordo com o seu desejo e não impostas socialmente. Para isso a criança poderia escolher livremente com o que brincar e o que vestir. (link para a matéria)
Quero que minha pequena menina possa escolher livremente seus gostos: que possa ter o azul como opção, os carrinhos, a ciência, assim como a maquiagem, as bonecas e as letras. Claro que gostaria, também, que ela vivesse em tempos em que nenhuma destas escolhas causasse estranheza e que ela não fosse mais ou menos menina por causa de um brinco.

24 de janeiro de 2012

Procuramos o herói que não topamos ser




"De Falco: Vá para o barco, é uma ordem. Não deve fazer nada diferente disso. Declararam abandono do navio, e agora quem comanda sou eu. Vá para lá! Fui claro? Não está me ouvindo? Vá e me ligue diretamente de lá. O helicóptero está na área.
Schettino: Onde está sua equipe?
De Falco: Está à frente da proa. Já há cadáveres, Schettino.
Schettino: Quantos cadáveres?
De Falco: Não sei, ninguém sabe. Ouviram dizer isso. Você deve dizer para mim quantos há, Cristo!
Schettino: Mas está escuro e não conseguimos ver nada!
De Falco: E por que quer voltar para casa, Schettino? Está escuro e quer voltar? Pegue o bote, vá até a proa do navio e diga-me o que se pode fazer, quantas pessoas estão lá e o que precisam."

Não me surpreendi com o conteúdo do telefonema entre o capitão do Costa Concórdia, que naufragou na Itália, e a Capitania dos Portos que foi divulgado na imprensa no dia 17. Na ligação, o capitão, Francesco Schettino, recebe ordens para voltar imediatamente a bordo do navio que comandava e que estava afundando.
Schettino não voltou.
Por que voltaria? Por que gostaríamos tanto que o capitão não abandonasse o seu barco e, no limite, naufragasse junto com o Costa Concórdia? Desejamos veementemente que existam heróis (já que nós mesmos não somos) na esperança de que nem tudo esteja perdido. Atos de bravura e de coragem nos parecem um descanso na loucura do mundo cínico e prático em que vivemos. Esperamos que um homem afunde junto com o seu navio, contrariando seu instinto natural e toda uma cultura que brada “salve-se quem puder”, em nome do dever profissional.
Acreditar que haja os bons é uma grande demanda nossa. Basta considerarmos o cristianimos sob este ponto de vista: esta religião se propagou no mundo todo com a promoção da história de um homem que se ofereceu em sacrifício, que purgou os nossos pecados, que fez o que não faríamos.
Eu, no entanto, não acho ruim que o capitão abandone o barco. Acho demasiadamente humano. Os heróis me constrangem.

9 de dezembro de 2011

Memória do horror


Tive oportunidade de conhecer Berlin neste ano. Antes da viagem me preparei estudando o que foi o século XX para a Alemanha e especialmente para sua capital. Achei que ficaria maravilhada por conhecer de perto os lugares da história, tocar no muro, ir aos museu, chorar nos memoriais e ouvir sobre a dor do holocausto. Não foi o que aconteceu.

Fiquei abismada com a insistência em que os fatos lacerantes eram narrados em cada rua. Tudo lembrava do horror. Não era possível esquecer. Senti repulsa, náusea. Tentei cegar os olhos e só fazer passeios festivos pelos parques. Me protegi. Na volta, já distanciada, refleti sobre o porquê dos judeus, e dos alemães não semitas, insistirem tanto em marcar esta história. Me pareceu algo como uma prisão, como estar ainda ligado ao opressor, um se definir pela tragédia.
Por que lembrar?
Sigo pensando sobre isso e juntei à reflexão o que aprendi dentro das Atuadoras com as mulheres vítimas de violência. Quando elas conseguem falar sobre isso, contar sua história e quando alguém as ouve, acredita nelas, estas mulheres transformam a experiência vivida solitariamente em algo real. Saem do pesadelo. Sempre achei que o importante era o encontro com outras mulheres na mesma situação, e o reconhecimento entre elas e quem sabe o salto político para a percepção de que o vivido no privado é na verdade um problema público, social. Hoje já não sei se era só (só?) isso.
Talvez qualquer escuta atenta, acolhedora, ajude a ir materializando o que era somente sofrimento. Há um alívio no encontro com um outro que ajude a nomear o absurdo, o sem palavras. Uma outra pessoa humaniza a experiência por nomear a tragédia. O horror deixa de ser um mal estar inlocalizável e, embora não seja apagado, encontra palavras. E não é só isso que somos? Palavras?

18 de maio de 2011

Dose diária de castração


Pela minha experiência até aqui, acredito que o mais difícil em nosso percurso como humanos é nos responsabilizarmos por nossos desejos e escolhas. Único animal neste planeta que não tem a segurança dos instintos, padecemos da angustia diária de termos que nos deparar com a escolha. Com o livre arbítrio como diriam algumas religiões. Com a castração, como nomina a psicanálise.
Todos os dias, se já tivermos um percurso iniciado no auto-conhecimento, temos que saber que nada temos de instinto. Para nós humanos as ações que são naturais com os outros animais são permeadas de linguagem para gente. Comer não é tão simples, lembremos de todos os transtornos alimentares. Beber não é tão simples, vejamos as adições. Amamentar, o parto, o cuidado do bebê são ações em que, não raramente, o sintoma encontra um lugar privilegiado para se instalar.
Ou seja, tudo em nós precisa de um sentido. Ou melhor, precisa que lhe demos sentido. Assim, mesmo que com imensa dificuldade, temos que tomar diariamente nossa dose de castração e saber que não podemos ser, nem ter, tudo, mas que o pouco que somos e temos são nossas escolhas. 

8 de março de 2011

A princesa infectada com o vírus da AIDS


O ministro da Saúde fez o teste de HIV em Salvador e lançou uma campanha de prevenção da AIDS com foco nas moças entre 13 e 19 anos, que hoje já se infectam mais que os rapazes na mesma idade. No Paraná, por exemplo, a proporção é de 20 moças para 1 jovem infectado na mesma faixa etária.
Alguns anos atrás, AIDS não era uma doença esperada em mulheres. Porque a epidemia vem mudando o gênero alvo? A primeira hipótese que me ocorre é mais óbvia. A libertação sexual feminina é real e, de fato, hoje as mulheres transam mais, com mais parceiros e cada vez mais cedo. Igualando-nos ao comportamento antes considerado masculino, nos colocamos sob os mesmos prazeres e riscos.
No entanto, caminhando na trilha de pensamento do psicanalista João Alberto Carvalho, tendo a acreditar que é o amor romântico o maior vilão desta história. Carvalho, no livro “O Amor que Rouba os Sonhos”, faz uma pesquisa com mulheres que se infectaram ao terem relação sexual com seus parceiros soropositivos sem preservativos e conscientes dos riscos.
Por que com tanta informação, avanços do feminismo e mesmo sendo economicamente chefes da família, as mulheres colocam suas vidas em risco? Na dialética da relação dominador-vítima há um pacto inconsciente celebrado entre eles de que a relação deve causar um ganho para ambas as partes. Ou seja, de alguma forma, as mulheres se submetem porque (acham) que ganham com isso. Não conhecendo outro discurso, só tem em seu repertório de visão de mundo o texto do dominante, que é machista, patriarcal e romântico. E dentro desta lógica a mulher é e está para o amor. "Ruim mesmo é não ter marido." É não viver um sonhado conto de fadas, é não fazer sua parte como mulher/princesa que entrega tudo por amor. 

Ou seja, as mulheres não escolhem morrer ao transar sem camisinha. Esta seria uma escolha burra, portanto, improvável. Ela escolhe ser sujeito, ser o sujeito esperado pela cultura, ela escolhe amar. O HIV é dano colateral, mas pior seria não se submeter ao desejo de seu homem e, com isso, ser menos mulher por ser infiel aos seus deveres românticos. Se no nosso mundo a paixão romântica é destino das mulheres, é o seu objetivo maior de existir, ela se sujeitará ao que for para seguir sendo, seguir existindo, seguir tendo função.

27 de fevereiro de 2011

Perdi para o meu corpo


É com esta sentença que Ronaldo encerrou a coletiva de imprensa na qual declarou que deixaria de ser um jogador de futebol profissional. Segundo o (ex) jogador seu afastamento foi causado pelas constantes lesões no joelho e pelo fato de possuir uma doença crônica chamada hipotireoidismo. O cruel é que esta síndrome é absolutamente contornável por reposição hormonal diária, no entanto as regras do futebol consideram esta prática dopping.
Mas voltemos a formulação desta frase: “perdi para o meu corpo”. Faz pensar em uma visão de mundo religiosa na qual é possível separarmos o que somos realmente – nossa alma – do nosso corpo: terrível algoz com suas próprias vontades e males. Certamente este é um pensamento infantil que pode fingir, maniqueistamente, que o mal é algo fora de mim. Ou seja, que nega a castração em que o sujeito humano habita: não estamos no nosso corpo, somos o corpo. Somos a carne que padece, bem como a erotização e o simbólico que permite à carne chamar corpo.
Ou seja, embora seja tentador, e um momentâneo apaziguador da angustia, imaginar que somos para além do corpo, não somos. Ronaldo não perdeu para o seu corpo, apenas tem que ligar com este contorno – uns chamam de realidade – dentro do qual cabe a ele ser criativo, ser vivo. 

16 de fevereiro de 2011

O que pode o corpo


Diogo Granato no Le Parkour Brasil