24 de janeiro de 2012

Procuramos o herói que não topamos ser




"De Falco: Vá para o barco, é uma ordem. Não deve fazer nada diferente disso. Declararam abandono do navio, e agora quem comanda sou eu. Vá para lá! Fui claro? Não está me ouvindo? Vá e me ligue diretamente de lá. O helicóptero está na área.
Schettino: Onde está sua equipe?
De Falco: Está à frente da proa. Já há cadáveres, Schettino.
Schettino: Quantos cadáveres?
De Falco: Não sei, ninguém sabe. Ouviram dizer isso. Você deve dizer para mim quantos há, Cristo!
Schettino: Mas está escuro e não conseguimos ver nada!
De Falco: E por que quer voltar para casa, Schettino? Está escuro e quer voltar? Pegue o bote, vá até a proa do navio e diga-me o que se pode fazer, quantas pessoas estão lá e o que precisam."

Não me surpreendi com o conteúdo do telefonema entre o capitão do Costa Concórdia, que naufragou na Itália, e a Capitania dos Portos que foi divulgado na imprensa no dia 17. Na ligação, o capitão, Francesco Schettino, recebe ordens para voltar imediatamente a bordo do navio que comandava e que estava afundando.
Schettino não voltou.
Por que voltaria? Por que gostaríamos tanto que o capitão não abandonasse o seu barco e, no limite, naufragasse junto com o Costa Concórdia? Desejamos veementemente que existam heróis (já que nós mesmos não somos) na esperança de que nem tudo esteja perdido. Atos de bravura e de coragem nos parecem um descanso na loucura do mundo cínico e prático em que vivemos. Esperamos que um homem afunde junto com o seu navio, contrariando seu instinto natural e toda uma cultura que brada “salve-se quem puder”, em nome do dever profissional.
Acreditar que haja os bons é uma grande demanda nossa. Basta considerarmos o cristianimos sob este ponto de vista: esta religião se propagou no mundo todo com a promoção da história de um homem que se ofereceu em sacrifício, que purgou os nossos pecados, que fez o que não faríamos.
Eu, no entanto, não acho ruim que o capitão abandone o barco. Acho demasiadamente humano. Os heróis me constrangem.

Nenhum comentário: