26 de agosto de 2010

O fascínio do grupo


Noticiado no mês passado como uma notícia bizarra, a fundação de um partido político “pró-beleza” pela modelo romena Sanziana Buruiana revela um sintoma da cultura.
A plataforma do tal partido é proibir a associação de pessoas acima do peso ideal, a fim de que o país tenha como representantes somente políticos/as bonitos/as. A modelo propõe até uma taxa para a população de obesos (algo em torno de 25 reais por mês/por quilo acima da tabela) e a proibição de piadas sobre mulheres loiras, sendo a modelo, obviamente, loira. E, como se não fosse suficiente, o partido propõe uma taxa de infidelidade: traiu, paga.
Fico tentada a arriscar-me em uma análise selvagem da moça e dizer que há ali uma tamanha dose de narcisismo que faz com que ela deseje que toda uma sociedade seja seu espelho, se pareça com ela. Ao mesmo tempo, revela tanta fragilidade, pânico de mudar e medo de ser abandonada que resolve colocar na lei, ou seja, recorrer a uma instância punitiva na cultura, caso ela própria resista ao incontrolável desejo de comer, ou de trair.
Mas, como não conheço a moça, e já tendo destilado meu palpitex um pouco no parágrafo acima, penso que este é um caso que pode ser pensado do ponto de vista da sedução totalitária. Aproveito que estou re-lendo o texto de Contardo Caligaris sobre o assunto para compartilhar aqui suas idéias.
Nós, bons neuróticos, corremos sempre o fatal risco de desejar que alguma instância superior diga o que desejamos, o que queremos. É muitas vezes insuportável a angústia da escolha cotidiana (do tipo que for: desde que tipo de sabonete comprar até que profissão escolher) e somos tentados a aderir a ideologias, discursos e estruturas de poder que digam para gente como devem ser as coisas.
Caligaris aborda o tema analisando o nazismo e a participação de pessoas “como a gente” no projeto de extermínio dos judeus. Quando do julgamento de Nuremberg, em que os oficiais nazistas eram perguntados por que fizerem aquilo, como puderam ter prazer no holocausto,  a resposta era algo como: eu era um bom funcionário, só estava fazendo meu trabalho. Ou seja, o gozo, o prazer não era (necessariamente) em matar e sim, em se perceber como peça eficiente de uma engrenagem.
Observo na criação deste tal partido da modelo traços claramente fascistas: o ódio a um grupo social, a vigilância e punição de aspectos da vida privada, o fascínio pela estética, etc. Mas, mais importante, percebo no nosso dia-a-dia, Brasil, aspectos de sedução pelo totalitarismo. Basta ver a reação da maior parte dos internautas que comentaram o primeiro beijo gay da TV aberta, que foi no horário eleitoral, na campanha política do PSOL. Ou, a fúria indiscriminada das massas nos estádios de futebol. Ou, ainda, a eleição de um garoto da escola na puberdade para ser massacrado pelo grupo de estudantes que o exclui. Ou, é claro, toda a patrulha de seja qual for a associação que nos envolvamos: seja no sindicato, no clube, na ong, no partido. Devemos resistir sempre ao desejo de deixar que o Outro diga o que nós queremos.

3 comentários:

Anônimo disse...

vc me autorizou, né? lá vai:
se eu colocar "curti" do facebook para este seu link, não estaria eu "deixando que vc diga o que eu quero"??? seria vc meu grande Outro? Não! Evidentemente! Mas a negativa não se apóia num julgamento do aspecto totalitário ou democrático da sua fala/escrita. Mas no conceito e sua definição! O grande Outro é a linguagem, portanto a entrada na cultura. Sempre vai dizer o que seremos! Talvez, o que defina o aspecto totalitário seja colocar um objeto causa de desejo, (a), ou pequeno outro - o semelhante, NU LUGAR do grande Outro. Aí, talvez, more o perigo, não?
bisous!
w

Daniele Ricieri disse...

Excelente, prezada W! Sua colocação é mais precisa e correta que a minha. De fato, somos seres atravessados (ou ainda, definidos) pela linguagem, o grande Outro, e disso só escapam os psicóticos. O problema realmente, onde reside o perigo do totalitarismo, é quando elegemos um outro, pequeno como nós, para dizer do nosso desejo.

nanda fox disse...

òtimo texto, realmente a moça pecou em criar uma Lei dessa, a rejeição dela é tão forte a ponto de criar uma LEI ESTAPARFÚRDIA DESSAS. Gostei dessa notícia, reflete muito sobre a sociedade caótica na qual vivemos.