18 de julho de 2010

Geni e os rottweilers


   Já faz algumas semanas que homens e mulheres repercutem o noticiário em suas conversas informais falando sobre a morte de Eliza Samudio, a ex-namorada do goleiro Bruno. Como pessoas civilizadas que somos, especialmente nos primeiros momentos de uma conversa, começa-se o assunto destacando como o crime foi bárbaro e lembrando o interlocutor de um ou outro detalhe mórbido do como teria sido o assassinato.

   Partindo deste início convencional, as conversas tomam vários outros rumos. Queremos destacar dois deles.

   Algumas pessoas ao contarem a história dão destaque para o ponto comercial do incidente: fazem as contas para saber quanto o Flamengo perderá com o escândalo. Lembram que assim que a suspeita de assassinato veio à tona, o clube carioca prontamente contratou um dos melhores advogados da cidade para proteger seu jogador. Afinal, é assim que os times ganham dinheiro: investem em um talento e depois vendem o passe para outro clube. Ficando a importante questão: quanto perde o Flamengo?

   O outro destino da análise de cada um/uma da morte de Eliza é ainda mais comum que o anterior: o questionamento do caráter da vítima. E é neste ponto que vamos nos debruçar um pouco.

“Nada justifica o que foi feito mas…”.
Mas “ela era uma garota de programa”.
Mas “essas mulheres escolhem o momento em que estão ovulando para sair com estes caras”.
Mas “era uma interesseira”.
Mas “ela não era flor-que-se-cheire”.
Mas “ela engravidou de propósito”.
Mas “ela gostou da fama”.

E tantos outros “mas”.

   Evidentemente culpar a vítima ou levantar suspeitas a respeito de seu caráter não é uma estratégia nova. Sobretudo quando a insinuação parte do algoz.

   Ficando aqui uma provocação: do que nos defendemos quando nos associamos aos amigos de Bruno e consideramos que, de alguma forma, Eliza mereceu morrer? Não temos motivos pessoais para desejar nada de mal a Eliza. Talvez isso nos leve a pensar que não é de Eliza que nos defendemos e sim, do que este triste fato diz sobre nós coletivamente.

   Uma das hipóteses possíveis seria pensarmos que aquele-tipo-de-mulher revela as fraquezas de um-tipo-de-homem que não queremos ver ameaçado. Para que tudo se mantenha como está nas nossas vidas e sociedade (mesmo estando ruim até demais) temos que considerar que as mulheres exercem de tal forma um poder macabro sobre os homens, poder do qual eles não têm defesa – não porque sejam fracos, mas porque “são só humanos” – que merecem ser punidas.

   Este episódio Bruno e sua ex-namorada em algum lugar ecoa em nós que um homem está constantemente lutando contra tentações, portanto é um herói e que as mulheres são as culpadas caso eles falhem. Se ele procurou uma amante, sua mulher não deveria ser boa de cama. Se ele foi infiel à esposa, sua amante deve tê-lo enlouquecido. Se ele engravidou uma mulher, ela deve ter feito de propósito. Se ele não é maduro o suficiente para se responsabilizar por seus atos, ela mereceu morrer.
Talvez seja insuportável, na nossa sociedade patriarcal e machista, olharmos para as falhas destes homens. Mais fácil escolher a culpada.

(Primeira publicação no Blog das ATUADORAS www.atuadoras.wordpress.com)

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